Deságio de 90% em dívida de R$ 1,5 bilhão reacende debate sobre aplicação de institutos de recuperação a créditos de natureza pública
Contexto processual complexo
O processo n. 0021370-77.2024.8.16.0194, protocolizado em 09 de dezembro de 2024 na Comarca de Curitiba, traz à tona questões fundamentais sobre os limites da aplicação dos institutos de recuperação empresarial quando envolvem créditos de natureza pública.
O caso apresenta peculiaridade processual relevante: enquanto a Cocelpa e Arpeco (principais empresas do grupo) mantêm processo de Recuperação Judicial desde 1º de junho de 2017, outras empresas do mesmo grupo econômico ingressaram com pedido de recuperação extrajudicial, configurando dualidade processual que merece análise cuidadosa.
Questões de direito administrativo
Competência da Agência de Fomento
A Lei estadual n. 20.743/2021 define a Agência de Fomento do Estado do Paraná S.A. como “gestora e administradora” dos créditos estaduais, não como credora com poderes dispositivos. Esse enquadramento legal levanta questionamentos sobre a competência da autarquia para aderir a planos de recuperação com deságios substanciais.
Princípio da indisponibilidade do interesse público
O deságio de 90% aceito pela Agência de Fomento colide frontalmente com o princípio da indisponibilidade do interesse público, consolidado na jurisprudência do STF e STJ. Segundo esse princípio, administradores públicos não podem dispor de direitos e bens públicos sem expressa autorização legal.
Jurisprudência consolidada do STJ
O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que créditos públicos não se sujeitam ao regime de recuperação judicial, independentemente de sua natureza tributária ou não tributária. Os precedentes são claros:
- AgInt no REsp 1.777.560/SP: “Os créditos de natureza pública não se submetem aos efeitos da recuperação judicial”
- REsp 1.851.603/SP: Reafirma a proteção especial aos créditos públicos nos processos de recuperação
Análise da estrutura societária
Possível blindagem patrimonial
A estratégia de manter os principais ativos (Cocelpa) em processo de RJ enquanto negocia deságios substanciais através de empresas subsidiárias pode configurar blindagem patrimonial, prática que visa subtrair ativos da garantia de credores.
Confusão patrimonial
A coexistência de processos de recuperação distintos envolvendo o mesmo grupo econômico sugere possível confusão patrimonial, hipótese que pode ensejar desconsideração da personalidade jurídica.
Instrumentos processuais disponíveis
Impugnação ao plano
O Ministério Público e a Procuradoria Geral do Estado possuem legitimidade para impugnar o plano de recuperação extrajudicial com base na proteção ao patrimônio público.
Ação de responsabilidade civil
Eventual aprovação do plano pode ensejar ação de responsabilidade civil contra os administradores da Agência de Fomento por danos ao erário.
Representação aos órgãos de controle
O caso demanda análise pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná quanto à regularidade da gestão dos recursos públicos.
Precedentes e impactos
Segurança jurídica
A decisão judicial neste caso pode estabelecer precedente importante sobre os limites da aplicação dos institutos de recuperação empresarial quando envolvem créditos públicos.
Ambiente de negócios
O desfecho influenciará o entendimento sobre estratégias de reestruturação empresarial que envolvam credores públicos, impactando o ambiente de negócios no Estado.
Perspectivas processuais
O caso está sob análise do Juízo da 26ª Vara Cível de Curitiba, com atuação da 5ª Promotoria de Defesa do Patrimônio Público. A complexidade jurídica e o valor envolvido sugerem que a matéria pode alcançar instâncias superiores.
A tensão entre os institutos de recuperação empresarial e a proteção ao patrimônio público permanece como um dos grandes desafios do direito empresarial brasileiro, especialmente em contextos de crise econômica onde a pressão por soluções negociadas se intensifica.